Hannah Gadsby – Nanette
“Construí uma carreira com base no humor autodepreciatvo. Baseei minha carreira nisso. E.. não quero mais fazer isso. Porque, vocês entendem o que autodepreciação significa quando vem de alguém que já existe à margem? Não é humildade. É humilhação. Eu me coloco pra baixo pra poder falar, pra pedir permissão pra falar. Simplesmente não vou mais fazer isso. Nem comigo, nem com ninguém que se identifica comigo. Se isso significar o fim da minha carreira de comédia, que seja.”
Peço desculpas pelo pequeno spoiler. Esse trecho está bem no começo do especial Nanette, que Hannah Gadbsy gravou pra Netflix. Não há forma melhor de apresentar o trabalho dessa mulher se não pela justificativa que ela nos apresenta de porque precisa se afastar da comédia e contar a sua história.
É um especial de comédia. As piadas são boas, inteligentes, críticas, até mesmo necessárias. Mas um especial de comédia que parte do princípio de que rir não é necessariamente o melhor remédio. Hannah Gadbsy nos ensina de onde vem a graça de uma piada: criar tensão, depois desfazer a tensão criada.
Vai dando exemplos e faz rir com uma naturalidade incrível, mostrando domínio da arte de tensionar e distensionar que ela tanto domina. E sabe que domina, e as razões pelas quais domina isso não são nada engraçadas: sua existência como mulher lésbica em um país no qual a homossexualidade era crime até 1997, sua existência sem se enquadrar nos padrões de gênero, sua existência num mundo que desde sempre a ensinou a se odiar, isso tudo já era uma tensão por si só.
Existir, para Hannah, é criar tensão.
Entre ótimas piadas Hannah vai nos contando sua história e, como ela mesma diz, vai nos contando a nossa história.
Retoma as piadas para nos contar o seu fim, o que, ela sabe, tira sua graça, mas revela sua força.
Cria tensões que não serão desfeitas, porque nem tudo merece nosso riso, ainda que seja em um show de humor.
Não há muito o que ser dito sem colocar em risco o valor da surpresa de cada momento desse especial que precisa ser visto. Essa história precisa ser ouvida.
Vai doer, vai pesar e não vai passar na hora, porque a vida é assim.
Hannah faz rir e faz faltar ar, mas uma coisa não é decorrência da outra.
Feminista por necessidade, desde criança encontrou na verbalização uma arma de resistência, escreve porque acredita nas palavras como fonte inesgotável de magia, na importância do debate e na força da pluralidade de vozes.